Derek Gustavo segunda-feira, 4 de março de 2013



Tinha pouco mais de 15 anos a primeira vez que entrei no universo de Charles Bukowski. Pensava eu, lá por essa época, bastante reprimida, que seria uma aventura conhecer as palavras de um cidadão que respondia pelo apelido de “Velho safado”. Claro, não sabia em que território estava pisando. Li Misto-quente (“Ham on Rye”) num dia. Cada página estapeou-me a face. Bukowski foi ambos meu fim e meu começo. Oh, sim, nessa ordem. Foi minha tortura e também meu escape. E Misto-quente foi o principal responsável pela enorme admiração que hoje tenho pelo autor.

Bukowski utiliza de um alter ego para escrever Misto-quente, Henry Chinaski, um alcoólatra misantropo que despreza a monogamia e não consegue manter-se num emprego. Chinaski é protagonista de cinco dos seis romances do autor, além de fazer aparições em vários de seus contos. Misto-quente acompanha a personagem, assim como Bukowski, um imigrante alemão, desde a difícil infância, tendo ele um pai abusivo, uma mãe ignorante, e estando exposto à pobreza, até sua formação como adulto, relatando suas experiências durante a vida, as dificuldades com as quais tivera que lidar, e de que modo estas o afetaram para sempre. A história segue as memórias de Henry até sua entrada na faculdade e eventual busca por um emprego.

Misto-quente é considerado a obra de maior destaque dentre os trabalhos de Charles Bukowski. Para aqueles que o conhecem e apreciam, é unânime a crença de que, quem não leu Misto-quente, não leu Bukowski. O romance foi escrito em 1982, quando Charles já estava em seus 60, e é chave para um mais profundo entendimento da personagem Henry Chinaski para os que o conheceram em histórias prévias, tais como Cartas na Rua (“Post Office”) e Factótum (“Factotum”). Chinaski é um anti-herói que coleciona lembranças amargas e viveu tentando se adaptar a um mundo mesquinho e violento, lutando para não perder-se. Seu linguajar é vulgar e depravado, descuidado, dissimulado. São pontos fortes na literatura de Bukowski a linguagem obscena, a sexualidade latente e o apreço pela violência. Chinaski incorpora como um mestre todas essas características.

Num outro aspecto da obra, Misto-quente retrata, ainda, a vida de Henry de forma cômica, em especial a infância, levando em consideração a confusão do jovem garoto em compreender coisas como o catecismo e a religião de modo geral, a masturbação e a anatomia masculina e feminina.

Misto-quente não é um livro para menores. Não, senhor. Mas você estará enganado ao pensar que é menos do que um romance fantástico em cada nível dado motivos sórdidos como as palavras de baixo calão. Misto-quente é, até hoje, uma das mais perfeitas obras da literatura norte-americana do último século. Claro, você corre riscos de ser mentalmente violado ao entrar em contato com ela. Digo-lhes, porém, que, uma vez que o fiz, nunca olhei para trás. 

Por Fernanda Lins

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